Muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.
Não choro, por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vento, da noite em que, aínda criança, li (...) E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. (...) É a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.(...)
Bernardo Soares
No meio da multidão apertando de todos os lados, eles seguiam juntos até à zona do concerto.
- Quem é o artista?
- É o Pedro Abrunhosa. Gostas Joana?
- Adoro. Tem músicas lindíssimas.
No meio da multidão, de tantos casalinhos de namorados, Joana e Miguel estão tão distraidos que nem largam as mãos. Começa o concerto, música atraz de música, a atmosfera romântica que emana daquele palco começa a envolve-los...
Miguel, num gesto impensado abraça Joana pela cintura, esta surprendida, mas ao mesmo tempo desejosa desse gesto, não acha forças para o afastar. Entreolham-se, sorriem, e no momento mágico de uma nota de musica... surge o primeiro beijo.
- Desculpa. Fui inconveniente. Deixei-me levar pela música.
- Não tens de pedir desculpa. Eu também quis que acontecesse.
E assim, ao som de um concerto, à luz de um luar de Junho, surge o amor...
As festas acabaram, o Verão foi passando, e eles apaixonados, nunca mais se deixaram...
Mas as férias estavam a acabar, havia decisões a tomar...
(continua)